domingo, 22 de outubro de 2017

O prometido é devido...


Alô, SSAP!
Combinámos partilhar memórias. Falar delas, talvez escrevê-las. (Estão lembrados?)
O nosso reencontro vem aí, muito em breve...
Pensei nisso. Lembrei-me de como a minha mãe me ajudou a gostar de ler...
Uma memória de gratidão.
Aqui vai!


Oiço muito boa gente falar de histórias que lhes contavam na infância, de poemas que aprenderam a recitar e que sabem de cor. De grandes bibliotecas que havia lá em casa e de pais leitores. De livros proibidos, alguns fechados à chave, que aguçavam o prazer de ler. De como isso contribuiu para o seu gosto pela literatura.
Posso estar a ser injusta, mas creio que não tive essa sorte. Na verdade, não conservo sequer a memória de escutar histórias ao deitar. Tal não me surpreende: a minha mãe sempre pôs em primeiro lugar ter a casa num brinquinho, não deixar nada à espera do dia seguinte, despachar-se para finalmente repousar, gemendo de cansaço até dar por findas as tarefas de cada dia.
Esta mãe, professora que o marido não quis que trabalhasse “fora de casa”, exercendo a sua profissão, tornou-se doméstica exímia. Não deixou, contudo, de ser uma grande promotora de leitura. Era escasso o plafond financeiro, oh se era!, mas comprava-me livros, quando eu pedia e ela podia. Não arranjava tempo para os ler comigo, realmente não, mas dispunha-se a ouvi-los; ela lidando e eu lendo. Lembro-me de, por norma, eu o fazer sentada na mesa da cozinha. Ou então na varanda. De ler com prazer, acreditando dar-lhe esse mesmo prazer, enquanto cozinhava ou cosia. Provava-me estar atenta. Pelo meio, dava-me um sinónimo, respondia-me a alguma dúvida, rematava a leitura com um provérbio…: Querer é poder. Devagar se vai ao longe. Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Quem ri por último, ri melhor. 
A estrutura de uma carta e de um envelope, também as apreendi com a sua ajuda. Era escrita regular para família que vivia a duas semanas de viagem de navio a vapor, isto é, além-mar, a milhas de distância… Começava-se pelo rascunho - que era depois corrigido e passado a limpo. E a seguir passado a limpo tantas vezes quantas as necessárias, até ficar sem erros de ortografia nem rasuras, e sem apresentar nenhum dos temíveis borrões da caneta de aparo ou da de tinta permanente que eram usadas nesse tempo. Tudo a ser reescrito cada vez com maior sacrifício e com mais ralhetes pelo meio. Até vir o suspiro libertador: “Enganaste-te outra vez aqui…, mas pronto, fica assim!”… (Ainda oiço esse suspiro.)
Era professora, daquele tempo, pois. (Já disse, não é verdade?...)
Ora a minha mãe, com a sua formação e recursos, a seu modo, foi a minha mediadora de leitura e escrita. Conservo esta paixão.
Sempre é verdade que todos os caminhos vão dar a Roma.

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