segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Verdade e mentira da fotografia... (Citação)


«(...) Dizem que as fotografias não mentem, mas essa é a maior mentira que já ouvi.
E foi assim, abrindo a gaveta à procura de qualquer coisa, que, sem aviso, me escorregou para as mãos uma fotografia tua tirada durante aqueles quatro dias. Fiquei a olhar-te longamente, longa, longa, longamente. Longamente me fui dando conta de que tudo aquilo acontecera mesmo: eu não o sonhara, durante vinte anos.
Nisso, quando guardam para sempre um instante que nunca se repetirá, as fotografias não mentem - esse instante existiu mesmo. Porém, a mentira consiste em pensar que esse instante é eterno, que dois amantes felizes e abraçados numa fotografia ficaram para sempre felizes e abraçados.
É por isso que não gosto de olhar para fotografias antigas: se alguma coisa elas reflectem, não é a felicidade, mas sim a traição - quando mais não seja a traição do tempo, a traição daquele mesmo instante em que ali ficámos aprisionados no tempo. Suspensos e felizes, como se a felicidade se pudesse suspender carregando no botão "pause" no filme da vida. (...)»

Miguel Sousa Tavares, No teu deserto, Oficina do Livro, 2009

2 comentários:

José Teles disse...

Manuela, que emoção este seu blog, que bom saber de si. Gostei. Vou andar por aqui.

Joaquim Chaves disse...

Tal com a história, por certo é necessário deixar que as fotografias absorvam o tom sépia do tempo. Quando as fotografias tiverem aquela cor quente, Sérpia, então não recordaremos o momento, o instante, as mágoas do passado. Recordaremos tempos passados, feridas saradas, a nossa juventude. Uma imensidão de saudosos ou namargos momentos.
Depois da travessia do deserto, teremos a sabedoria de saber contar uma história passada, amarguradamente ou deliciosamente passada.
Como diz o autor, a fotografia é um instante que nunca se repetirá. Para os amantes é tão simplesmente um momento de amor.